quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

“Esse é o 942 A ou o 178C10?”



Mauro é um brasileiro comum, com uma família comum, uma namorada comum e roupas comuns. Enfim, tudo muito normal e chato e... comum. E como grande parte das pessoas, Mauro não tem carro e é obrigado a pegar dúzias de ônibus todos os dias para trabalhar e ir para a faculdade.

O problema é que ele detesta pegar ônibus. E não por considerar os assentos horríveis, achar que o veículo balança demais nas curvas e lombadas, de ficar em pé para algum velho folgado - que além de não pagar passagem, ainda anda por apenas dois quarteirões e logo desce – poder se sentar.

É sempre a mesma coisa. Ele entra no ônibus, mostra o pergaminho de identidade, passa pela catraca, mira algum assento, pára na frente da pessoa que está sentada e, com aquela cara de dono do mundo, reclama o seu trono. E você, com um olhar gentil e o ódio no coração, sabendo da artimanha do velho, cede a poltrona e vai para o meio da muvuca se enroscar com a população.

Para evitar tais acontecimentos e constrangimentos, Mauro gostava de sentar na poltrona única, que fica bem atrás do motorista. Além de ser um local de difícil acesso para o pessoal da 3ª idade, o vento vinha direto na cara. Mas isso ele só conseguia quando o ônibus estava vazio, o que era mais raro que mulher racional ou político honesto.

Além disso, Mauro, que fora criado pela tia-avó materna e um andarilho muito famoso da rua, era muito tímido e odiava todas as etapas que uma pessoa passa quando pega um ônibus. Vamos a elas!

O ponto
A primeira é a espera nos pontos de parada. Para fazer o tempo passar, Mauro ficava alternava sua atenção entre os ônibus que passavam e tentava adivinhar para onde as pessoas que com ele estavam iriam. Era um passatempo besta, mas funcionava para distrair.

Malabarismo
Depois de finalmente o ônibus certo passar, começa a segunda etapa. Incrível como na hora de pagar o motorista, Mauro sempre – mas sempre mesmo – derruba as moedas no chão, o que obriga-o a fazer um verdadeiro malabarismo para pegá-las e manter-se de pé ao mesmo tempo.

Roda a roda
A terceira etapa é a mais cruel para Mauro. O passar pela catraca. Ele sabia o que lhe esperava do outro lado. Dezenas de pessoas prontas para fuzilá-lo com olhares mortais, medindo-o de cabo a abo; praticamente uma acareação do elemento que entra para o lado dos pegadores de ônibus. Esta era uma situação constrangedora para ele, que por insegurança ou mero descuido, sempre se imaginava com o zíper da calça aberto, a blusa furada ou então com um pedaço de papel higiênico grudado no tênis.


“Com licença”
A próxima etapa era a de achar um lugar ideal para se sentar. É necessário muito zelo, astúcia e um pouco de sorte para encontrar o melhor ponto do ônibus. Nesta hora tudo é levado em conta: o sol, o vento, em que lado tem mais gente, qual é o assento mais perto da saída de emergência, e, claro, ao lado de quem você passará os próximos 40 minutos. Este talvez seja o item mais importante: o acompanhante.

Não é difícil você sentar junto de alguém que, antes parecia não ter nem língua, mas que agora fala mais do que o homem da cobra (não me perguntem de onde veio essa expressão, é coisa de família). Para não errar, aí vão algumas dicas.

- Prefira aqueles que estão lendo um livro, uma revista ou jornal. Além de ele não querer puxar papo, você ainda pode fazer uma leitura comunitária com ele. Quem sabe você passe a gostar do livro a ponto de querer comprá-lo também. Só tome cuidado e não cometa o erro de evitar que o dono do livro vire a página, pois você ainda está no último parágrafo. Isso não é coisa que se faça.

- Se você não está com pressa e quer papear, sente ao lado de algum velho simpático ou de algum bêbado. Eles sempre têm algo de interessante para contar sobre suas vidas, e você ainda corre o excelente risco de ficar com o guarda-chuva que eles acabaram esquecendo ao descer do ônibus.

Mas uma das coisas que mais incomodavam Mauro era quando, mesmo com o ônibus completamente lotado - só havia lugar a seu lado e de um bêbado tosco e possivelmente inconsciente – a mocinha bonita que acabara de entrar preferia ficar de pé, ou mesmo sentada junto com o cachaceiro, ao invés de ficar ao seu lado. Ou Mauro era muito feio – o que não é verdade -, tinha algo preso nos dentes – meia verdade – ou ele teria algum tipo raro de feromônio que afastava toda e qualquer mulher que passasse num raio de 50 metros.

Passado todo esse sufoco, chega a hora da libertação. De longe, ele percebe que o fim está próximo e, num gesto quase que solene, puxa a cordinha com força para avisar ao motorista que dentro de poucos instantes vai deixar esta caixa metálica para trás e poderá respirar profundamente o mais puro monóxido de carbono das grandes cidades.

- Liberdade! – ele diz.


Uma batalha vencedoramente merecida, mas uma guerra ainda longe de acabar.


Coitado! Mas ele supera...

3 comentários:

legow disse...

gui,voce e tudo de bom nao pare. tina,mamy

lotavioss disse...

Começa a ficar criativa. Um humor negro (porque chamamos assim uma critica do nosso dia-a-dia?)com sensibilidade e gostoso de ler. Parabéns...

John.st@r disse...

Carnaval virou bacanal!